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terça-feira, 17 de agosto de 2010

Tempero

Paulinho saiu do trabalho no mesmo horário de sempre, ordinário com ele só. A pasta preta, a camisa amarela e os passos embotados da pressa cotidiana. Queria voltar para casa. Seria possível, se corresse mais um pouquinho, pegar o segundo tempo do jogo. Barcelona em campo: passes, cadência, arte... Paulinho imantado pela bola partiu desenfreado até o ponto de ônibus.

A fome bateu. Lembrou que a sua Belinha faria um peixinho frito, daquela leva da última pescaria com os amigos. Paulinho, afortunado, levara de tudo um pouco do mar. Deixou com inveja os companheiros de anzóis e boias. Quando sentiu o peso do isopor nos seus ombros, pensou num jantar. Estavam ele e Belinha à luz dos candelabros, fartando-se de lulas e robalos, cruzando olhares lânguidos e perscrutadores. Anunciava-se uma madrugada de desejos conclusos.

Mais ordinário que Paulinho era o dia: 21 de Outubro. Nem naquele mês, nem no próximo, nem no anterior existia premissa para um presente. Regalo datado, esperado, sazonal feito uma colheita, não cabia. Mas a impertinência odorífica do mar agarrou-se aos pêlos do nariz do agraciado pescador. Viu Belinha em casa, de avental, preparando a sua janta, de cabelos amarrados, à medida que se aproximava da peixaria.

Passou pelos peixeiros e as senhoras que reviravam os olhos das garoupas e periciavam os camarões. Olhando-as fixamente, seguindo a dança das facas amoladas, trombou com uma mulher. Perdeu o prumo. Cambaleou, manteve-se de pé; trapezista, deu de cara com uma lojinha de bijuterias. Na estante, um anel. Um círculo cor de cobre, trançado de Rapunzel. Não era data de ninguém; não tinha dono o dia: nem aniversário, nem exéquia; nem para lembrar, nem para esquecer. Jamais tinha dado à Belinha presente que não tivesse conexão com aniversário, Natal ou dia dos namorados. Sacou do bolso as cédulas; comprou o anel. Pô-lo no bolso da calça.

Ao chegar ao lar, o televisor estava transmitindo o jogo. Assim era Belinha. Lembrara de Paulinho. Quando ouviu sua voz, estava de costas para o marido, cabelos enfiados na mantilha, preparando a corvina. Paulinho a envolveu. Roçando suas ancas e beijando seu pescoço, ao abrir seu punho cerrado mostrou-lhe o presente. Belinha arrancou o pano da cabeça; seus cabelos libertos e o anel: Paulinho enlouqueceu. Ela o empurrou sorrindo, disse para que esperasse um pouco. Queria fazer do peixe mais um dos seus encantos, sem perceber que ela o cozinhava, mas o tempero, a essa altura, era dele.

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