A mudança
Samantha Alvarez, adolescente no auge de seus 17 anos ajeitava as últimas coisas para mudança de sua família. Nem havia deixado o iminente antigo lar e uma aura nostálgica já lhe assolava. Seus olhos lacrimejavam toda vez que fitava cada cantinho de seu quarto.
-Filha, posso jogar essas coisas fora?
Samantha desviou o olhar vazio de um canto de seu quarto para sua mãe, a mesma segurava uma caixa com coisas que tencionava doar ou até mesmo jogar fora.
- Mãe, temos mesmo que sair de Campo Grande? E meus amigos? Minha escola?
Sueli Alvarez pôs a caixa que segurava no chão, e com um olhar compreensivo, caminhou até a filha abraçando-a. Samantha chorou sobre o abraço aconchegante e cheio de ternura de sua mãe.
- Deixe disso Samantha, você vai poder visitar seus amigos aqui em Campo Grande sempre que puder e além do mais, vamos morar na zona sul do Rio, perto da praia, perto dos pontos turísticos e tudo mais.
-Mas eu gosto de Campo Grande. –Insistia a adolescente.
-Mas é uma nova etapa em nossas vidas Samantha, especialmente para seu pai.
Samantha ergueu o olhar cheio de lágrimas para a mãe, sua expressão ficou singularmente carrancuda. A jovem não gostava que a mãe referisse seu padrasto como pai.
-Seu padrasto. – Retratou Sueli.
Após alguns segundos de total silêncio, Sueli dissimulou apontando para a caixa de coisas que não seguiriam para mudança. Fitou um surrado urso de pelúcia azul e branco.
-Olhe só, seu velho urso.
Sueli abaixou e tomou o tal urso em mãos. Seus pêlos artificiais irritaram as narinas de Sueli que explodiu em quatro espirros.
-Seu pai lhe trouxe esse urso quando você tinha 2 anos, foi tão estranho: aquela noite chuvosa, seu pai bêbado como um gambá e com um embrulho de jornal velho em mãos. Estava tão chapado que havia dito que comprara o seu anjo da guarda.
A boca de Sueli arreganhou-se em um sorriso.
-O engraçado é que você nunca deu um nome pra esse urso.
- Pois é, eu sempre o chamei de Ursinho. – Assentiu Samantha
-Bem então posso doá-lo? – Indagou Sueli.
-Sim- Respondeu Samantha com um monossílabo.
Faltavam poucas horas para Samantha, Sueli e Antunes deixarem a velha casa localizada na zona oeste do Rio. Contudo, Sueli havia jogado poucas coisas daquela caixa ao lixo, a grande maioria seria doada para uma creche nas redondezas. Havia muitas bonecas e jogos. Quando os funcionários da creche tocaram a campanhinha da iminente ex-residência de Samantha, Sueli os atendeu com um belo sorriso estampado na face, entregou para os homens a caixas contendo o urso de pelúcia e o demais brinquedo.
-Muito obrigada por virem buscar. – Agradeceu Sueli.
-Que nada senhora, nós é que agradecemos a doação.
Samantha que observava tudo pela janela de seu quarto, sentiu um súbito e tenebroso remorso. Era como se alguém estivesse tirando uma parte de si.
- O que foi que eu fiz? – se perguntava – Estou deixando ir uma coisa que meu pai me deu.
Samantha correu, desceu as escadas, atravessou a sala de estar, cruzou a varanda e visualizou os homens já além do portão em cima da calçada.
-Esperem! – Gritava ela.
Sueli e o marido observavam atônitos a atitude de Samantha.
Os homens olharam para a jovem correndo em sua direção e também não entenderam.
-Senhores, me desculpem, mas tem uma coisa nessa caixa que eu gostaria de ficar.
-Sim claro minha jovem. – Disse um dos homens.
E Samantha estendeu a mão levando-a para dentro da caixa, revirou algumas bonecas e pegou o seu surrado Ursinho.
Sueli sorriu e se abraçou a Antunes.
Casa nova, vida nova
A adaptação de Samantha ao novo lar fora melhor do que ela mesma esperava. Em menos de um mês, já tinha feito novos amigos e mal parava em casa. Seu velho urso que antes ficava jogado em algum lugar da antiga casa em Campo Grande, agora tinha um local especial sobre a mesa do computador em seu quarto. Esporadicamente, Samantha o acariciava.
Dois homens com uniformes do condomínio conversavam olhando para a residência de Samantha Alvarez. Tratavam-se do jardineiro e do porteiro.
O porteiro com sua camisa de mangas longas azul e sua gravata preta perguntava:
- Cara, mas você não acha que está se arriscando demais não?
-Não Severino – dizia o jardineiro com sua roupa grossa e toda verde – tudo vai dar certo, o homem viajou a negócios, com duas mulheres em casa fica mais fácil. Eu entro, pego o que tenho de pegar e saio.
O porteiro coçava a cabeça demonstrando inquietação. O jardineiro havia percebido.
-Severino o plano é perfeito, você desliga a força do condomínio e quando tudo se apagar, inclusive as câmeras de vigilância eu ajo. Você faz todo o procedimento como se tivesse faltado luz e depois de 10 minutos você religa tudo.
Severino notou que a expressão de seu companheiro era singelamente diabólica, preferiu não dizer nada, mas concordou apesar de achar que o plano do jardineiro não daria certo.
Plano posto em prática
Em uma quinta feira nublada, Severino estava tenso e apreensivo. Em 25 minutos ele iria se dirigir até a casa de força do condomínio e desligaria a chave que deixaria tudo no escuro. Todavia, algo que não fora planejado pelo jardineiro aconteceu; Antunes padrasto de Samantha adentrava no condomínio com seu veículo, buzinou para Severino que respondeu com um sorriso amarelo e um tímido aceno.
-Isso vai dar merda. – Praguejava o porteiro.
Atrás de uma árvore, o jardineiro aguardava as luzes se apagarem. Já tinha visto através do monitor da portaria que a câmera não tinha alcance para filmá-lo naquela posição. E a chegada inesperada de Antunes parecia que não o intimidava, estava decidido a entrar.
-Anda logo seu paraíba filho da puta, desliga logo a merda da chave.
Sueli ficara surpresa com a chegada do marido. Assistia à novela enquanto Antunes trancava a porta.
-Pensei que você só chegaria amanhã.
-É que cancelaram uma reunião e nos encaixaram num vôo da ponte área. Onde está Samantha?
-Em seu quarto no computador. –Respondeu Sueli.
Finalmente as luzes se apagaram. Na casa de força do condomínio, Severino murmurava:
-Ele que decida se vai entrar ou não, a minha parte está feita.
Vestido todo de preto, o jardineiro caminhou em passos confiantes para a casa que planejava invadir. Pensava:
-Eu conheci o ex-morador dessa casa, sei o número do cofre e duvido que eles tenham mudado, vai ser fácil.
-Droga! Ninguém merece ficar sem luz nesse calor. – reclamava Antunes – Sueli onde está a lanterna?
Sueli levantou do sofá e caminhou tateando pela escuridão.
-Está na gaveta da cozinha. –Respondeu ela caminhando para buscá-la.
O jardineiro já diante da porta da frente da casa tirou de seu bolso uma chave e a enfiou na fechadura. A porta se destrancou. O invasor girou a maçaneta e abriu a porta lentamente. Olhou pela pequena fresta criada da porta semi-aberta, mas não poderia ver nada além do que o intenso negrume.
Antunes ao sentir uma brisa gelada em suas costas virou-se para trás e se deparou com a porta aberta e uma silhueta parada defronte ao umbral.
-Quem é você? – Perguntou estarrecido o proprietário da casa.
A penumbra mascarava qualquer movimento que qualquer pessoa pudesse fazer. Antunes não pôde notar que o invasor havia sacado uma arma. O disparo fora abafado pelo silenciador da pistola, no entanto, Antunes caíra sobre a mesinha de vidro da sala. A mesinha explodiu em estilhaços fazendo um enorme barulho que o invasor não planejava que acontecesse.
Sueli ao ouvir a mesinha se quebrando, correu de volta para sala.
-O que houve Antunes?
Porém Antunes não respondia, estava inerte no chão.
Sueli abaixou para assistir o marido, mas uma coronhada lhe fez cair desfalecida sobre o corpo ensangüentado de Antunes. O invasor olhou para a escada com uma frieza incalculável.
Samantha conversava com amigos pela internet quando tudo ficou escuro.
O ursinho de Samantha
Samantha esperou a luz voltar ainda defronte ao monitor, mas não fora apenas uma pequena queda de energia. A escuridão permanecia.
-Logo agora.
Contudo, um enorme barulho que provinha da sala lhe causou uma expressão de assombro. Samantha levantou-se da cadeira helicoidal e caminhou com passos cautelosos até a porta de seu quarto coberto pela escuridão. Suas pupilas se dilataram e sua visão fora se acostumando com o negrume. Ao chegar à porta, Samantha ouviu passos subindo a escada. Seu coração batia acelerado, no fundo, ela sabia que algo estava errado.
Os passos já estavam pelo corredor que levava até ao quarto, Samantha recuava com seus olhos fixos na porta. Os passos cessaram, Samantha podia sentir uma presença atrás da porta de seu quarto, a maçaneta girava lentamente, a jovem lamentou não tê-la trancado.
O invasor sem perder a calma abriu a porta com a arma apontada para a jovem.
-Calma, só quero o que está no cofre e ninguém vai se machucar. – Disse o homem.
Samantha estava assustada, jamais tivera uma arma apontada para si. O invasor penetrava no quarto e se dirigia até uma das paredes. O homem tirou o quadro que escondia o cofre e digitou o código que o abriria. Samantha estava preocupada com sua mãe, mas lhe faltava coragem em perguntar se ela estaria bem.
Para a surpresa do invasor, não havia nada no cofre, absolutamente nada. Aquilo o irritou profundamente.
-Vocês estão morando na maior residência do condomínio e não tem jóias no cofre? – Gritava o jardineiro.
Samantha ficava cada vez mais assustada com o nervosismo do ladrão.
-Como você explica isso garota?- Perguntou o iracundo invasor.
-Eu não sei senhor. – Respondeu Samantha com a voz trêmula.
O homem aplicou uma forte tapa no rosto de Samantha, a mesma chocou-se contra a mesa do computador fazendo cair uns CDs, livros e seu velho urso de pelúcia. Samantha gemeu de dor e pôs a mão na face estapeada. O invasor consultou o relógio antes de reparar nas belas curvas da apavorada jovem.
-Bem já que tenho 6 minutos, não vou sair de mãos vazias.
O invasor jogou Samantha em cima da cama e começou a apalpá-la.
-Você é bem gostosinha garotinha.
Samantha tentava retrucar:
-Por favor, não, isso não!
Ameaçou gritar, mas o homem abafou seu berro com uma das mãos e com a outra mantinha a arma na cabeça dela.
-Se gritar, você morre entendeu?
O choro de Samantha também ficara abafado pela mão do invasor.
-Entendeu?- Insistia o homem.
Samantha gesticulou positivamente com a cabeça.
O invasor rasgou a fina blusa da jovem deixando seus médios seios desnudos. O homem acariciava-os.
Apavorada, Samantha clamava por ajuda em seus pensamentos:
-Por favor, alguém me ajude. Socorro, pai!
O homem rasgou a calcinha de Samantha e começou a desabotoar a sua calça, em seguida disse:
-Não se preocupe meu bem, vai ser bom, dizem que a primeira vez é inesquecível.
A lua cheia finalmente havia aparecido sobre o céu nublado, um pouco de iluminação natural adentrou pela janela. Samantha insistia com seus pensamentos:
-Por favor, Pai aonde é que você esteja, por favor!
Quando o invasor pôs o pênis para fora da calça, uma enorme e súbita sombra surgiu projetada numa das paredes que a lua cheia iluminava. Um grunhido sinistro e apavorante chamou a atenção do invasor que instintivamente olhou para trás. Uma enorme criatura, não, um enorme urso azul e branco com mandíbulas soltando filetes de saliva.
-Mas que diabos! - Resmungou o homem boquiaberto.
O urso com suas garras tão afiadas quanto uma katana fez um corte no peito do invasor que berrou de dor. Um jato de sangue manchou as paredes. Samantha se encolheu na cabeceira da cama. O homem tentou atirar mas ao esticar o braço, fora surpreendido por uma abocanhada. O urso arrancou-lhe o membro de seu oponente facilmente. O braço caíra no chão com a mão ainda segurando-a e o dedo no gatilho. O grito de dor do invasor fora tão alto que todo o condomínio pôde ouvir.
-Meu Deus! – Resmungou Severino.
O Homem caiu no chão completamente ensangüentado e a mercê do urso.
-Me deixe em paz sua criatura do demônio, me deixe em paz! – Gritava o homem.
Porém o urso estava decidido. Atacou impiedosamente o invasor.
Samantha apenas ouvia os ossos e vísceras do assaltante sendo mastigada pelo urso e também podia ouvir seus últimos suspiros e gemidos. Ela observava apenas o dorso azul de seu salvador que se alimentava de sua presa. Sua expressão era de total agradecimento, e as palavras de sua mãe zumbiam em seus ouvidos.
“Estava tão chapado que havia dito que comprara o seu anjo da guarda.”
-Obrigada pai.