Uma jovem discutia no carro após o namorado ter avançado um cruzamento sob o sinal vermelho.
-Ah qual é Elaine! Você não queria que eu parasse no sinal nessa estrada deserta não é? Sabe quantas pessoas são assaltadas por isso? Olhe ao redor, é só mato. Um filho da puta de um bandido pode muito bem está escondido nesse matagal só esperando um otário parar no sinal vermelho.
Elaine ainda contrariando seu namorado tentava argumentar, mas intimamente assentia com a opinião que acabara de ouvir.
-Pelo menos buzine para avisar que estamos passando. – Disse ela.
-Relaxe Elaine, não há ninguém nessa estrada. Apenas você e eu.
O motorista olhou para sua namorada e piscou um olho, em seguida, um sorriso sacana brotou em seus lábios.
-Às vezes me pergunto o que vi em você, sinceramente. – Disse Elaine quase em murmúrio.
O velocímetro do automóvel estava na beira dos 100 km/h.
Elaine reclinou sua cabeça sobre a janela do carro e apenas observava o matagal margeando a estrada. A lua cheia e amarelada ornava o céu estrelado. Com certa resignação, a jovem dos cabelos dourados olhou pelo pára-brisa e fitou ao fundo outro sinal. O carro fora se aproximando, o sinal ficou amarelo. Aproximou-se mais, ficou vermelho. O namorado de Elaine não parou e sequer buzinou. Depois disso, tudo que a jovem pôde lembrar foi de um silêncio abrupto e uma dor inimaginável.
O carro do casal havia se chocado contra uma van naquele cruzamento. Um acidente terrível, talvez, nem o mais experiente paramédico esperasse por sobreviventes após aquela colisão. Porém, havia sobreviventes.
Elaine com dificuldades se desprendeu do cinto de segurança e puxou seu pé direito preso aos ferros retorcidos do carro. Olhou para o lado e viu seu companheiro entre as ferragens com o rosto desfigurado coberto de sangue. Uma fumaça começava a tomar o ambiente. Elaine presumiu que a fumaça seria o carro se incendiando, saiu às pressas do veículo completamente estraçalhado. Estava tão confusa que mal se deu conta que seu namorado estava morto, também ignorava os ferimentos que salpicavam sua roupa com sangue.
Do lado de fora, Elaine instintivamente caminhou em passos trôpegos para verificar a van que eles haviam colidido. Naquele momento, ela percebeu que a fumaça era oriunda daquela van que havia capotado com o impacto. O veículo não passava de puro ferro retorcido naquele momento, de fato, uma perda total, aliás, em ambos os automóveis.
Ao se aproximar da van, Elaine viu uma mulher de meia idade desacordada. Desesperou-se, pois aquela van estaria em chamas a qualquer minuto. A jovem ensangüentada chacoalhou a mulher de meia idade que acordou fazendo uma expressão de dor.
-Você tem que sair daí, esse carro vai pegar fogo daqui a instantes! – Gritava Elaine.
Sem pestanejar, Elaine começou a puxar a mulher de meia idade das ferragens; a mulher parecia que relutava em ficar dentro do veículo capotado. Entretanto, Elaine fora mais forte e conseguiu tirar a motorista de dentro da van. As primeiras labaredas de fogo começaram a aparecer.
Quando tudo parecia ter se resolvido, a mulher em um tom desesperador, gritou:
-Minha Filha! Minha filha está no banco de trás!
Os olhos castanhos de Elaine pareciam que cairiam das órbitas devido ao intenso pavor que tomou conta dela após ouvir aquelas palavras. Ficou alguns minutos paralisada sem saber como agir.
A mãe desesperada tentava tirar a filha de dentro das ferragens, as chamas já estavam tomando a parte traseira do veículo.
-Calma filha, mamãe vai te tirar daí – Dizia a mulher de meia idade com a testa ensangüentada.
Elaine ignorou a dor e correu com certas dificuldades para ajudá-la. Um pequeno alívio tomou conta dela ao saber que a filha da mulher estava viva. No entanto, a situação não era nada animadora. Os ferros retorcidos impossibilitavam que a filha da mulher fosse retirada de uma maneira simples e manual. A van fora arrastada pelo carro do casal até se chocar contra uma árvore. Havia apenas uma pequena brecha pela qual se podia ver a pequena criança. O fogo consumia o automóvel vorazmente.
Elaine abaixou até a brecha da van e fitou a criança que parecia ter saído ilesa daquele acidente. Milagrosamente ilesa, ou Deus seria tão filho da puta que permitiria aquela criança queimar viva e consciente? Estava com uma chupeta na boca e olhava para a mão da mãe que tentava puxá-la por aquele pequeno espaço inutilmente.
-Mamãe vai te tirar daí filha!- Gritava a mãe desesperada, porém ainda não entrava em sua cabeça que a menina não passaria por aquela fresta.
Elaine se tocou do incêndio e correu até o carro do namorado para pegar o extintor. Ao chegar ao carro, se deu conta que seu companheiro estava morto, uma angústia assolou suas entranhas, lágrimas se misturavam ao sangue em seu rosto. Contudo, não havia muito tempo, a morte de seu namorado poderia ser lamentada mais tarde. Elaine ainda podia salvar uma vida.
Com o extintor em mãos, Elaine tentava apagar o incêndio, mas seu esforço foi em vão. O fogo continuava a consumir a van com avidez. Em poucos minutos o fogo já tomava boa parte do veículo. O extintor se esgotou e o máximo que fez fora atrasar um pouco as chamas que agiam em total vitalidade.
Elaine voltou para onde a mãe buscava uma maneira de tirar a filha das ferragens; a mulher parecia que tentava erguer os ferros retorcidos com as próprias mãos intuindo aumentar a fresta. O calor já passava do insuportável, parte do desespero da mulher parecia ter passado para Elaine. A jovem começou a chorar e naquele momento torcia para que a criança morresse asfixiada e não carbonizada.
-Deus, ajude! – Murmurava Elaine.
O fogo já tomava conta de 90% da van, a temperatura estava na casa dos 60º C. Elaine se afastou e não acreditava que estava tendo sangue frio em presenciar aquela cena horrível. Caiu de joelhos rogando aos céus.
-Por favor, Deus, faça que essa criança não sofra! O que você está querendo provar?
Contudo, a mulher parecia ignorar o calor e o impossível. Permanecia tentando em um esforço inútil aumentar a brecha para retirar a filha. As chamas já estavam bem próximas de suas mãos, a temperatura daquele metal a qualquer momento tostaria sua pele e carne. Naquele instante, sequer sabia se a criança ainda estava viva.
Elaine incrédula observava com extrema apreensão.
Uma chama saiu de dentro da brecha queimando as mãos da mulher, talvez aquilo culminasse com o fim da criança, mas a mãe em um impetuoso ato heróico permanecia ali, algo lhe dizia que sua filha estava viva e ficaria ali ignorando as bolhas já se formando em sua pele. Ficaria ali e morreria tentando se fosse preciso.
Elaine por um instante chegou a pensar em convencer a mulher a desistir daquilo e salvar a própria vida, mas logo desistiu.
Não havia dor, não havia medo de morrer e não havia tempo. As chamas continuavam implacáveis e voláteis, e, em um último esforço, em um último segundo, um solavanco mexera com a van inclinando-a contra a árvore. Uma enorme chama avançou e cobriu tudo em volta, como se fosse uma pequena explosão. Um enorme clarão brilhou naquela estrada deserta ofuscando a visão de Elaine que se reclinou tocando a testa no chão aos prantos. Ela pôde sentir a intensificação do calor devido à súbita expansão das chamas naquela meia explosão.
-Não!!! Por que isso Deus? Por que isso comigo? Não, Deus não existe, nenhum Deus permitiria isso!
E ao levantar os olhares descrentes para a van, viu o inacreditável! A mulher caminhava com a filha no colo segurando-a com suas mãos em carne viva. Não se sabe de onde a mulher tirou aquela força descomunal capaz de contorcer os metais dando um solavanco na van aumentando a brecha para puxar a filha. Não se sabe como ela tirou tanta resistência a dor. Não se sabe como a criança não morreu naquele incêndio saindo ilesa. Ninguém saberá como. Mas são essas as coisas que fazem as pessoas acreditarem que Deus existe.
Elaine tinha os lábios trêmulos e os olhos incrédulos, a mulher afagava a criança com suas mãos queimadas. A jovem menina apontou para Elaine em um gesto singelo. Com a chupeta na boca e um olhar ingênuo, a criança tinha uma lépida expressão angelical.
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